Se você é um homem trans e chegou até aqui no meu site, sabe bem que não é tão simples encontrar informações de saúde específicas destinadas para você. Sabe também que não é tão fácil encarar um exame preventivo corriqueiro (para muitas mulheres) como o Papanicolau ou um ultrassom vaginal. Eu sei que esses momentos podem não ser nada fáceis ou confortáveis para você.
E considerando tanto a coleta de um Papanicolau ou a realização de um ultrassom durante um tratamento de congelamento de óvulos ou da realização de uma fertilização in vitro (FIV), precisamos reconhecer que o universo LGBTQIAPN+ não é uma massa uniforme, que com uma ou duas técnicas você forma uma família.
São muitas as possibilidades e variáveis nesse universo.
É necessário apoio e suporte do especialista em Reprodução Humana Assistida.
Meu objetivo aqui é colocar luz sobre os caminhos possíveis para que você possa formar uma família, levando sempre em conta a sua vontade e a do seu parceiro ou parceira.
Portanto, quero que a porta de diálogo que abrimos nesse momento não se feche. O seu objetivo, a partir de agora, passa a ser o meu, ajudá-lo a formar uma família. Vamos juntos!
O Congelamento de Óvulos é uma porta aberta para o Futuro
Com o tempo, a terapia com testosterona geralmente leva à anovulação e à amenorreia. De acordo com uma pesquisa interessante sobre o tema, mais de 90% dos homens trans que tomam testosterona param de menstruar em 6 meses.
Hoje, já sabemos que é possível que homens trans engravidem e tenham bebês saudáveis. Em uma pesquisa com trans grávidos, 80% dos entrevistados relataram ter menstruado novamente 6 meses após interromper o tratamento com testosterona.
Mas as coisas não são tão simples. Os efeitos do tratamento com testosterona, a longo prazo, sobre a fertilidade ainda são praticamente desconhecidos. Um estudo publicado em 2019 revelou que, em um grupo de 52 homens trans, a função ovariana foi mantida após um ano de terapia hormonal, embora os níveis de hormônio antimülleriano tenham caído.
E é preciso levar em conta que homens trans que passam pela transição de gênero provavelmente tomarão testosterona pelo resto da vida, e não há atualmente nenhuma pesquisa que possa nos dar uma pista sobre o que acontece depois de cinco ou dez anos. Além disso, o impacto do tratamento com testosterona na qualidade dos óvulos é desconhecido.
Como estamos falando de futuro, de formação de família, o congelamento de óvulos é uma variável que deve ser colocada na mesa, antes que você inicie o processo da hormonioterapia ou faça a cirurgia de redesignação sexual.
Importante dizer que congelar óvulos não significa necessariamente que você vai gestar um bebê no futuro. Essa ideia pode nem passar pela sua cabeça mas, ao preservar sua fertilidade, você terá maior liberdade de escolha para que, no futuro, possa ter filhos biológicos, fornecendo os óvulos, gestando ou por meio do útero solidário. Pense nisto!
Congelamento de Óvulos para Homens Trans
Idealmente, o congelamento de óvulos deve acontecer antes que você inicie a terapia hormonal, mas, na realidade, nem sempre isso acontece. No entanto, um estudo de 2020 sobre os resultados do tratamento de congelamento de óvulos sugere que homens trans ainda podem ter sucesso na preservação da fertilidade, mesmo que tenham tomado testosterona antes do tratamento.
A testosterona faz com que o corpo interrompa o processo de amadurecimento dos óvulos e, consequentemente, o corpo para de ovular. O objetivo do tratamento do congelamento de óvulos é amadurecer e recuperar muitos óvulos num único ciclo menstrual. Isso significa que o homem trans que toma testosterona precisa interromper a terapia hormonal e aguardar que seu ciclo menstrual se normalize antes de congelar seus óvulos. Isto pode ser difícil, porque quando ele para de tomar testosterona, pode experimentar uma reversão do processo de masculinização que havia experimentado.
Além das considerações que fizemos, o processo de congelamento de óvulos para homens transexuais não difere daquele de outros pacientes. Ao longo de 8 a 12 dias, começando no segundo dia do período, os pacientes injetarão hormônios que estimulam os ovários a produzir vários óvulos.
Depois que os óvulos amadurecerem, o especialista em reprodução assistida faz a coleta dos mesmos durante um processo ambulatorial e eles são criopreservados em laboratório. Depois de congelados, os óvulos podem ser armazenados indefinidamente.
Vou detalhar como esse processo ocorre a seguir.
Eu gosto de explicar o congelamento com o apoio dessa timeline, pois tudo fica mais claro:
Vamos falar de cada uma das fases...
A primeira etapa do tratamento de congelamento de óvulos é a estimulação ovariana, que se inicia geralmente nos primeiros quatro dias depois do fluxo menstrual. Você vai usar hormônios para estimular seus ovários para que eles desenvolvam múltiplos folículos, diferente do que acontece todo mês, quando apenas um cresce.
A estimulação ovariana é feita por meio de medicamentos subcutâneos aplicados diariamente, associados ou não a medicamentos por via oral. Há diferentes protocolos na literatura. O seu será escolhido de forma individualizada para você.
Mas basicamente temos que usar nessa fase os medicamentos que fazem o crescimento dos folículos, o estímulo propriamente dito e outros que fazem o bloqueio da ovulação, ou seja, que impedem a ovulação. As medicações subcutâneas são feitas por meio de uma agulha fina, a mesma usada para aplicar insulina, na região do abdômen, de forma praticamente indolor, e você pode fazer essas aplicações em casa, após orientações realizadas na clínica.
Vamos monitorando o crescimento desses folículos ovarianos por meio de ultrassonografias transvaginais (cerca de 2-3 ultrassonografias nesse período de estímulo). Quando eles atingem o tamanho ideal, o que geralmente ocorre após 10-12 dias de estímulo, administramos um último medicamento para a maturação final dos óvulos e agendamos a aspiração folicular.
A aspiração folicular é um procedimento feito no centro cirúrgico do laboratório de embriologia, onde a paciente recebeu uma sedação, uma anestesia geral leve. A aspiração trata-se de um procedimento relativamente simples. Dura, em média, 20 minutos. Fazemos um ultrassom igual àquele realizado em consulta, mas acoplamos ao probe um guia e uma agulha comprida, que vai perfurar o fundo de saco vaginal e chegar nos ovários.
Lá chegando, os folículos são aspirados um a um. Essa agulha é acoplada a um sistema de sucção e conforme o folículo é perfurado, o líquido intrafolicular é sugado e o óvulo é carregado junto com esse líquido. Esse líquido vai sendo coletado em tubos e entregue ao embriologista, que vai ali mesmo contar e ver quantos óvulos foram recuperados, aspirados.
Após poucas horas, temos o congelamento propriamente dito. Os embriologistas limpam as células ao redor dos óvulos e os congelam pela técnica de vitrificação, técnica de congelamento rápido. Esses óvulos, que são congelados em palhetas, são levados em tanques de nitrogênio líquido e lá podem permanecer por anos, até que você decida formar a sua família.
Deu para notar que o tratamento é rápido? Em cerca de 12-14 dias, temos todo o processo finalizado. Essa é a duração de um ciclo.
Opções para formar a sua família
O bom do congelamento de óvulos para homens trans é que o tratamento oferece muitas opções para formar uma família no futuro.
O tratamento protege os óvulos criopreservados de qualquer dano resultante da terapia hormonal de afirmação de gênero e dá ao homem trans mais opções para a construção de uma família posteriormente.
Sendo assim, homens trans podem gerar, usando seus próprios óvulos por meio da fertilização in vitro. Importante destacar que a testosterona pode ser prejudicial para o feto em crescimento, por isso os homens trans são aconselhados a interromper a terapia hormonal antes e durante a gravidez.
Já homens transexuais que não querem engravidar ou que fizeram uma histerectomia como parte do seu tratamento de transição, podem contar com óvulos congelados para gerarem um filho com sua carga genética com o suporte do útero de substituição.
Homens trans cujas parceiras têm útero podem recorrer à gestação compartilhada, quando o seu óvulo congelado é fertilizado com esperma de um doador e transferido para o útero da outra parceira.
Tem dúvidas?
Fale comigo!
Juntamente com outros desafios únicos que as pessoas trans têm de enfrentar, aqueles que desejam ter filhos biológicos no futuro também devem levar em conta o impacto das etapas hormonais ou cirúrgicas antes da transição de gênero.
O congelamento de óvulos é uma ótima opção a considerar, uma vez que os gametas preservados podem ser usados no futuro para ajudar a completar uma jornada biológica de construção de uma família - seja você solteiro ou casado no momento do congelamento.
Acredito que todas as pessoas devem ter a oportunidade de se tornarem pais, se assim o desejarem, por isso grande parte do meu trabalho é fornecer educação sobre fertilidade e planejamento reprodutivo.
Se você chegou até aqui, saiba que estou à disposição para ajudá-lo a entender melhor os meandros da preservação de sua fertilidade, bem como a indicar os caminhos possíveis para você construir a sua família futuramente.
Baixe agora o meu e-book “Homens Trans Também Podem Formar Uma Família” e tire todas as suas dúvidas comigo.