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Tratamento da infertilidade
Ser mãe, ser pai é uma decisão, não apenas um presente.
Reprodução Humana é sobre estar ao lado do paciente, é sobre formar famílias…
A infertilidade NÃO é um inconveniente, um defeito, um castigo. Ninguém deve se sentir menos mulher ou menos homem por não conseguir a gravidez. A infertilidade é uma doença do sistema reprodutivo feminino e/ou masculino que prejudica a capacidade do corpo de realizar uma função humana básica: a reprodução. É definida classicamente como insucesso em estabelecer uma gravidez após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas, ou como um prejuízo à capacidade de uma pessoa se reproduzir.
Segundo dados da ASRM (Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva), a infertilidade afeta igualmente homens e mulheres. Quando falamos em causas de infertilidade, podemos dizer que 30% são de causa feminina, 30% de causa masculina, 30% de causa combinada, masculina e feminina, e em cerca de 10% dos casos não encontramos a causa.
A gravidez é resultante de um processo inicial que engloba diversas etapas:
- Oscilações hormonais devem ocorrer adequadamente e levar ao desenvolvimento folicular e, consequentemente, à ovulação;
- A produção de espermatozoides deve acontecer em quantidade suficiente e também com a motilidade adequada;
- A relação sexual tem que acontecer no período correto e os espermatozoides devem ter percorrido o trato genital feminino até as tubas uterinas;
- As tubas devem estar funcionantes, pérvias e com mobilidade preservada, para garantir o encontro do óvulo com os espermatozoides e o transporte do embrião formado até o útero;
- O endométrio deve estar adequadamente preparado, receptivo a esse embrião;
- O embrião deve ter sua carga genética perfeita e seu maquinário celular funcionante para garantir o seu desenvolvimento.
Perceba a complexidade do processo reprodutivo. São diversas etapas que devem acontecer de forma harmoniosa, e se houver qualquer prejuízo em alguma dessas etapas, a gravidez não acontece.
Não é difícil de entender então por que a fertilidade na raça humana não é alta. Estamos falando de no máximo 30-35% de chance de engravidar por mês em casais jovens abaixo de 30 anos. Essa chance só vai diminuindo com o passar dos anos da mulher. Uma mulher com 40 anos, por exemplo, tem cerca de 5% de chance de gravidez por mês.
Para engravidar, a mulher precisa ir se expondo ao risco de gravidez, mês após mês.
Mas quando ela deve parar de tentar sozinha e procurar ajuda médica?
Basicamente, qualquer paciente ou casal que tem por definição a infertilidade ou apresenta alto risco para ela deve procurar ajuda de um especialista! Detalhando um pouco mais, mulheres com menos de 35 anos podem aguardar 12 meses para iniciar investigação. As chances de gravidez vão diminuindo com a idade da mulher.
Portanto, mulheres acima de 35 anos devem procurar ajuda após 6 meses de tentativa, e mulheres com mais de 40 anos que querem engravidar devem procurar aconselhamento médico imediatamente, assim que decidirem que querem engravidar. Uma avaliação imediata, ou seja, sem que se esperem os 12 meses, também deve acontecer em mulheres com sinais de doenças que podem cursar com infertilidade, como mulheres com ausência de menstruação ou ciclos irregulares, endometriose em estágio avançado, suspeita ou conhecimento de fator masculino, ou suspeita ou conhecimento de doenças das tubas (trompas) ou do útero.
Se você se encaixou em alguma dessas categorias, procure ajuda médica. E eu sempre digo, na dúvida se tem que ir ao especialista, vá! O planejamento reprodutivo é um momento importante na vida da mulher, e infelizmente muito pouco abordado até ela começar efetivamente a tentar.
Causas
Falando sobre as causas femininas de infertilidade, a causa mais importante no Brasil é o fator tuboperitoneal, ou melhor dizendo, fator tubário, problema nas tubas uterinas, popularmente conhecidas como trompas. Entre 30% e 40% dos casais com dificuldades para engravidar tem o fator tubário como causa da infertilidade. A tuba é uma estrutura essencial para o processo de reprodução humana. Ela tem que captar o óvulo que foi ovulado, propiciar o encontro com o espermatozoide dentro dela, e transportar o embrião ali formado por 4-5 dias até que ele chegue no útero. Qualquer acometimento das tubas pode comprometer essas etapas do processo reprodutivo. Mais de 50% dos casos de comprometimento tubário vêm de causas infecciosas, e essa infecção, na grande maioria das vezes, vai vir de uma doença sexualmente transmissível, a moléstia ou doença inflamatória pélvica aguda (MIPA ou DIPA), que é causada principalmente pelo patógeno chamado Chlamydia trachomatis. A Chlamydia pode gerar um quadro infeccioso na pelve com pouco ou nenhum sintoma. Logo, esse diagnóstico pode não acontecer na fase aguda, e a mulher pode apresentar uma lesão tubária lá na frente. A tuba pode estar acometida também por causa não infecciosa. Aderências na pelve por cirurgias prévias ou mesmo por endometriose podem alterar a mobilidade e a morfologia dessa tuba.
A segunda causa mais importante de infertilidade feminina é de distúrbio da ovulação, ou seja, a mulher não engravida porque simplesmente não ovula. A anovulação acontece em cerca de 20% dos casais inférteis. E um sinal importante para se detectar se está ou não ovulando diz respeito à regularidade do seu ciclo. Se a mulher está menstruando regularmente, muito provavelmente ela está ovulando. Agora, se seus ciclos estão irregulares ou mesmo ausentes, boas chances de ela não estar ovulando. A causa mais importante de anovulação é a síndrome dos ovários policísticos, a SOP. Há outras causas também que podem levar à anovulação, como doenças da tireoide, excesso de atividade física e falência ovariana prematura. Se a mulher estiver com ciclos irregulares ou mesmo ausentes, ela não deve esperar um ano tentando engravidar para buscar ajuda, ela deve procurar ajuda médica imediatamente, ao decidir engravidar.
Terceira causa feminina de infertilidade é a endometriose, presente em 5-10% dos casos de infertilidade. Endometriose é a presença de tecido do endométrio, que é a camada que reveste internamente o útero, em outros lugares da pelve, como ovários, ligamentos, bexiga, intestino. Quem tem endometriose não necessariamente terá dificuldade para engravidar, mas a incidência de infertilidade é maior nessas pacientes. Cerca de 30 a 50% das pacientes com endometriose vão apresentar dificuldade para engravidar. A endometriose leva à infertilidade por diversos mecanismos, sendo os principais o comprometimento da permeabilidade e/ou função das tubas, o comprometimento da qualidade dos óvulos, o estabelecimento de uma pelve inflamatória prejudicando o ambiente da reprodução, e até mesmo um prejuízo à receptividade do endométrio ao embrião.
Uma causa feminina menos importante, mas que vale a pena citar, é a causa uterina de infertilidade. Miomas, pólipos, sinéquias (que são aderências no endométrio), adenomiose, septos uterinos, útero bicorno, tudo isso é exemplo de distúrbio no útero que pode comprometer a fertilidade. Vale dizer que apesar do mioma ser uma doença benigna do útero, bastante frequente na população, a grande minoria vai dificultar a gravidez. Em geral, apenas aqueles que acometem a camada interna do útero e aqueles que acometem a camada muscular e são grandes (geralmente acima de 5cm) podem ter esse impacto negativo.
E uma causa mais óbvia de infertilidade é a idade da mulher. Conforme a mulher envelhece, seus óvulos envelhecem com ela, perdendo qualidade. Isso significa que terão maior chance de gerar embriões também sem qualidade, com alterações cromossômicas que vão levar à maior taxa de infertilidade e maior taxa de abortamento. Acima dos 35 anos vemos essa perda de qualidade acontecendo progressivamente, e aos 40 anos essa perda de qualidade é bem pronunciada.
Diagnóstico
Vou começar falando sobre uma premissa básica da investigação da infertilidade: sempre fazer a investigação completa do casal, mesmo havendo uma causa bastante evidente de infertilidade. Cerca de 25% dos casais apresentam mais de um fator contribuindo para sua infertilidade. Por isso, a investigação deve ser sempre completa!
E o que seria uma investigação completa? Uma boa história clínica voltada para as principais causas de infertilidade e um exame físico completo são essenciais. A primeira consulta em infertilidade geralmente é longa. Ela vai nos direcionar para as hipóteses diagnósticas e a investigação vai ser conduzida de acordo com essas suspeitas. Para ficar mais claro, a investigação da infertilidade pode ser dividida em uma pesquisa básica do casal e na investigação direcionada de acordo com a suspeita.
A pesquisa básica inclui aqueles exames que devem ser solicitados para todos os casais:
- Ultrassonografia transvaginal: por meio desse exame conseguiremos avaliar útero e ovários. A ultrassonografia feita em período adequado do ciclo menstrual vai nos dar informações sobre a reserva ovariana da paciente, por meio da contagem de folículos antrais, e informações sobre a ocorrência ou não de ovulação;
- Histerossalpingografia: esse é um exame que avalia principalmente as tubas uterinas, popularmente conhecidas como trompas. É um exame em que é injetado um contraste pelo colo do útero e vão sendo tiradas radiografias enquanto ocorre a dispersão desse contraste pelo útero e tubas até cair na pelve. É possível diagnosticarmos assim se há obstrução das tubas, por exemplo. É um exame que avalia a forma e não a função das tubas, portanto, é um exame essencial, mas que tem suas limitações;
- Avaliação do perfil hormonal por meio de exames de sangue: são normalmente solicitados FSH, LH, estradiol, prolactina e exames da tireoide (TSH e T4livre), idealmente nos primeiros cinco dias do ciclo menstrual;
- Espermograma: único exame realmente essencial para o homem.
Essa foi a pesquisa básica, que nunca pode faltar. Vale lembrar que devem ser associados a esses exames da pesquisa básica os exames de pré-concepção.
Solicitamos para o casal tipagem sanguínea e as sorologias de HIV, Sífilis, Hepatite B, Hepatite C, HTLV 1 e 2, e somamos toxoplasmose e rubéola para a mulher. E não podemos deixar de pedir os exames ginecológicos de rotina, como o Papanicolaou, a mamografia ou o ultrassom de mamas, se necessário.
De acordo com a suspeita clínica e mesmo com os achados da investigação básica, seguimos com uma investigação direcionada de acordo com a suspeita. Podemos solicitar outros exames para conseguirmos fechar os diagnósticos com mais assertividade. Muitas vezes, acabamos associando aos exames de sangue da mulher os exames de cariótipo, para avaliar a parte genética, o hormônio antimulleriano, para avaliar, junto com a contagem de folículos antrais, a reserva ovariana. Se a paciente tem suspeita de Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), acrescentamos o perfil androgênico (de hormônios masculinos) e pesquisa de resistência à insulina.
Se houver a suspeita de algo acometendo a cavidade do útero (mioma, pólipo, endometrite, aderências), pedimos a histeroscopia diagnóstica, que é um exame em que avalia a cavidade uterina com o auxílio de uma câmera. Se houver suspeita de endometriose ou adenomiose, podemos pedir um ultrassom transvaginal com preparo intestinal ou uma ressonância magnética de pelve. Em alguns casos, até uma videolaparoscopia pode entrar nesse rol da investigação de acordo com a suspeita clínica. A pesquisa de trombofilias também pode ser solicitada caso haja uma suspeita, em casos de abortamento de repetição, por exemplo. Quanto ao fator masculino, muitas vezes, complementamos a investigação com exame de fragmentação de DNA sêmen . A ultrassonografia da bolsa escrotal também pode ser solicitada se há uma suspeita de varicocele, por exemplo. Exames como cariótipo, perfil hormonal masculino, também podem ser pedidos de acordo com os achados do espermograma e do exame físico.
A etapa da investigação da infertilidade é extremamente importante. Definir a causa correta vai nos guiar para as próximas etapas de definição de estratégia de tratamento e vai nos dar uma ideia do prognóstico e das chances desse casal ter filhos com esse tratamento.