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Resolução da reprodução humana

Resolução da reprodução humana: saiba o que muda

No Brasil, não há legislação específica a respeito da reprodução assistida (RA). Tramitam no Congresso Nacional, há anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a termo.  O que temos são normativas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) na área de Reprodução Humana. Recentemente, mais especificamente em 27 de maio de 2021, o CFM publicou uma nova norma sobre o tema, a Resolução CFM nº2.294/2021.

Esta nova normativa, de natureza administrativa, revogou a última de 2017, e trouxe algumas mudanças importantes e algumas polêmicas. Vou aqui citar por tópicos as principais delas.

Número de embriões a serem transferidos 

A regra referente ao número de embriões que podem ser transferidos foi alterada. Com a decisão, o número de embriões a serem transferidos de acordo com a idade ficam assim:

  • Mulheres com até 37 anos: até dois embriões;
  • Mulheres com mais de 37 anos: até três embriões;
  • Em caso de embriões euploides no diagnóstico genético pré-implantacional: até 2 (dois) embriões, independentemente da idade; e
  • Nas situações de doação de oócitos, considera-se a idade da doadora no momento de sua coleta (esse ponto não foi alterado).

Na resolução anterior, mulheres até 35 anos podiam ter até 2 embriões transferidos; de 36 a 39 anos, 3 embriões; e a partir de 40 anos, até 4 embriões. E não se tinha especificado para casos de diagnóstico genético pré-implantacional. Vemos então que essa mudança da normativa vai ao encontro da tendência no mundo de se transferir cada vez menos embriões. Uma vez que o congelamento de embriões têm trazido resultados espetaculares e as taxas de gestação com reprodução humana têm aumentado, não faz sentido colocar muitos embriões e assim submeter a paciente ao risco das complicações obstétricas e neonatais das gestações gemelares. 

Número de embriões criopreservados

O número total de embriões gerados em laboratório não poderá exceder a 8 (oito). Esse foi um ponto bastante polêmico da nova resolução. 

A literatura médica nos mostra que, quanto maior o número de óvulos obtidos e, portanto, maior o número de embriões, maiores as taxas de sucesso no tratamento. Limitando o número de embriões, portanto, podemos limitar também o resultado dessa paciente. Esse impacto negativo pode ser bastante sentido principalmente em mulheres mais velhas, acima de 40 anos, que compreendem os casos de piores resultados.

Além disso, tem um aspecto financeiro a ser levado em consideração. Limitando o número de óvulos a serem fertilizados podem sobrar óvulos excedentes a serem congelados, gerando mais um custo. Se a primeira leva de embriões não resultar em gravidez, custo adicional teremos para descongelar e fertilizar os óvulos descongelados. Por último, vale dizer que é difícil saber quantos óvulos fertilizar. Não podem ser gerados mais de 8 embriões, mas quantos óvulos devem ser no máximo fertilizados para não ultrapassarmos os 8. A média de fertilização é de 70-80%, mas e se naquele caso for 100%? Enfim, esse é um ponto muito polêmico. 

Doação de gametas entre parentes

Resolução mantém a determinação de doação sem fins lucrativos ou comerciais, assim como o anonimato entre doador e receptor, mas traz uma exceção. A doação de gametas pode acontecer para parentesco de até quarto grau de um dos receptores ((primeiro grau – pais/filhos; segundo grau – avós/irmãos; terceiro grau – tios/sobrinhos; quarto grau – primos), desde que não incorra em consanguinidade. 

Descarte de embriões

No momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um deles ou de ambos, e se desejam doá-los.

Os embriões criopreservados podem ser descartados após 3 anos do congelamento se for a vontade dos pacientes, mas eles devem obter autorização judicial, algo que não era exigido na norma anterior. Portanto, a nova resolução impõe um novo requisito para descarte além do registrado pelos pacientes em documento na clínica.

Casais homoafetivos

Pela nova norma, as famílias monoparentais, os casais não unidos pelo matrimônio e os do mesmo sexo alcançaram garantia  de igualdade de direitos relativos aos casais e famílias tradicionais para dispor das técnicas de reprodução assistida. A resolução vai ao encontro da decisão do pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5 de maio de 2011, ao julgar a ADI 4.277 e a ADPF 132, que reconheceu e qualificou como entidades familiar a união estável homoafetiva.

Para os casais homoafetivos femininos que optam por tratamentos de reprodução assistida, há duas possibilidades terapêuticas: a primeira delas, com baixa complexidade é a inseminação artificial. A outra opção de reprodução assistida para casais de mulheres é a fertilização in vitro. Segundo a nova norma, é permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.

Para casais homoafetivos masculinos, o tratamento de reprodução assistida também é a fertilização in vitro, mas, antes de iniciar o processo, o casal deve procurar um banco de  óvulos e, também, encontrar uma mulher disposta a ceder temporariamente o seu útero por meio da  gravidez por substituição, também chamada popularmente como “barriga solidária”.  Segundo a nova resolução, a cedente temporária do útero deve ter ao menos um filho vivo e pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Há a necessidade de fecundação dos óvulos com espermatozoides de um parceiro isoladamente. Ainda que sejam fertilizados grupos de óvulos separadamente, com espermatozoides de ambos os parceiros, o médico deve conhecer o material genético masculino que deu origem ao embrião implantado – sendo vedada a mistura dos espermatozoides de ambos os parceiros, inviabilizando o conhecimento da origem genética.

Prevenção da sexagem

Apesar da resolução anterior não permitir a realização do tratamento de reprodução assistida para a escolha de sexo, o exame para diagnóstico genético pré-implantacional abria uma brecha nesse ponto. Vou explicar melhor. O laudo da  biópsia embrionária com diagnóstico genético revelava a presença de aneuploidias e também do sexo do embrião. Logo, era possível saber o sexo do embrião que estava sendo transferido.

Nessa nova resolução, para evitar a sexagem social, o laudo de estudo genético embrionário não poderá mais informar o sexo, exceto em casos de doenças ligadas ao sexo ou de aneuploidias de cromossomos sexuais.

Útero de substituição

A cessão temporária de útero ou útero de substituição (popularmente e erroneamente conhecido também como barriga de aluguel), assim como na norma de 2017,  permanece sendo voluntária e sem caráter lucrativo, e é necessário que a cedente do útero seja parente de até quarto grau de um dos parceiros.

O que mudou foi a exigência de que a cedente do útero tenha pelo menos um filho vivo.

Comentários finais

Apesar da Reprodução Humana ser uma área da Medicina que envolve diversos dilemas e polêmicas,  não temos uma legislação específica para cada uma das suas peculiaridades. O CFM, um órgão com funções regulatórias e fiscalizarias, vem publicando suas normativas para guiar o exercício da Medicina nessa área.

“Nessa última normativa de 2021, pudemos perceber alguns avanços claros, como a redução do número de embriões a serem transferidos, assim reduzindo as gestações gemelares e suas complicações, mas também notamos pontos muito polêmicos, como a doação de gametas por parentes de até quarto grau e a necessidade de autorização judicial para descarte de embriões tornando o processo ainda mais burocrático”, afirma Paula Marin, especialista em Reprodução Humana.

Talvez o mais polêmico desses tópicos, visto até como retrocesso, seja a limitação do número de embriões gerados. Essa nova determinação impacta direta e negativamente nas chances de sucesso do tratamento. “Como eu já expliquei, quanto maior o número de embriões, maior a taxa de gravidez. Limitando o número de embriões, estamos limitando resultado, e isso sim pode até gerar um conflito jurídico”, defende a médica.

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